sábado, 24 de outubro de 2009

Triste despertar

...Do mais longo sono acordei...
Você não estava mais aqui.
Esvaiu.
Como minha alma e o meu amor.
Nem bem murchou e esfarelou.
Soprou dentro das veias um gélido e ressequido torpor.
Fiquei e cá estou.
Eu e seu violão desafinado e desamparado.
Não troquei o porta retrato, é fato.
Só poeira agora no seu armário e no seu sapato.
Lençol sempre branco e engomado.
Nunca mais toquei da cama, o seu lado...

Saudade

Ecos do amor. A mais fina flor. Nada restou.
...
Me deflora a saudade.
Me devora. Me invade e alucina.
Me arde a alma. Asfixia. Um rasgo de dor.
Confusa que estou, sinto seu cheiro.
Soluço no carro. Aumento o som.
Seu lado na cama intocado, sua foto empoeirada do lado...
Por onde descansa? Por onde sonha? Não me responda...
A cada pulsar um só anseio... Dura necessidade.
Nada de calma só nostalgia pura de fato.
Não sara minha alma.
Não adormece.
Não para e nada aquece...
Meu peito não sela. Só sangra.
Inquieto, sedento, dilacerado.
Marcado.
Lágrimas vertem e aquiescem a dor,
avalizam o torpor...
Laconica, me faço de rogada e passeio entre os normais.
Sorriso triste.
Artificial como a vontade de viver sem você.
E em um breve e real instante me esfacelo e me entrego.
Não posso mais.
Não mais tenho paz.
Sou inteira fragilidade.
Toda verdade.
Tudo me leva, me faz, me traz,
saudade.

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Odeio Chico

O silêncio daquela noite fria de inverno interiorano dizia tudo que a incapacidade de ser grosseira e radical não permitia. Ela crescera reprimida demais pra se tornar militante de suas idéias. Preferia o silêncio orgulhoso e livre, dos seus pensamentos.

Enquanto aquela conversa desagradável se desenvolvia a margem de sua vontade, ela alheia se permitia vagar pelo verde da grama a sua volta que se misturava ao lodo do quintal de suas lembranças. Até se perguntava porque na infância os invernos eram mais longos e mofados.

Aquele nó na garganta, resultado do vômito ruminado que era suportar tão ultrajadamente aquelas idéias retrógradas e arrogantes sobre o outro, ia tomando forma e até a fazia pensar que era pior do que o autor de tais pensamentos. Ele deveras acreditava. E ela na sala de estar do admirador de Hitler... Por ironia do acaso, teria de aceitar sua hospitalidade e lhe sorrir em gratidão. Comeria e beberia docilmente, sem questionar, ou manifestar o abismo que os separava. Apenas cearia e acenaria como e o esperado dela.

Aprendeu ao longo da vida congelar um meio sorriso. Monalisa... Uma máscara indecifrável que a protegia da timidez, raiva e qualquer outra emoção considerada inferior, ou ao menos a manifestação desta. Nem sequer seu companheiro de três anos seria capaz de penetrá-la, talvez nem mesmo sua mãe pudesse fazê-lo. Assim cerrou os dentes dentro da máscara e atravessou a ponte que aquelas horas representaram gastando um pouco mais seus incisivos centrais. A essa altura era quase cômico ouvir pacientemente os relatos pouco razoáveis que quem logo pra começar afirmou: ” -Odeio Chico Buarque.” O que por si só daria uma tese inteira sobre o assunto. Ela ficou ali sentada, olhando e pensado, quem poderia odiar Chico Buarque de Holanda. Aquele semi deus, genial, inspirado, talentoso... Aquele ser de olhos iluminados e humor típico dos muito inteligentes, dono das palavras mais certeiras e únicas e que ainda por cima tocava violão!!!! Ah claro! Esqueci de dizer meio morador do Rio e meio morador de Paris, poeta, ele também era capaz de despertar paixões nas mulheres mais recatadas e óbvio muita inveja nos medíocres. Não à toa ela escolhera como tema de seu amor Joana Francesa e atenta a ele, o seu amor, que ali sentado dedilhando o violão a transportava ao estado mais delicado e puro da alma. Entre Joana Francesa e a ditadura ela exultou quando seu amado defendeu a democracia, sutilmente, educadamente e politicamente como convinha a um excelente analista da situação.

Mais tarde porém, mais exatamente no fim de semana que se seguiu, ela descobria que sua máscara não era assim tão eficiente. O seu amado lhe confidenciou que quase rezara pra que ela não entrasse em erupção e abrisse um debate caloroso naquele sábado de inverno. Claro que um diálogo com alguém que preteria Kleist, Schiller, irmãos Grimm, Nietzche e sabia até a musica preferida de Hitler, e olha que nem falo em Brecht ou Marx. Tantos alemães brilhantes e admiráveis trocados por Hitler! Um pouco cômico ficar agora imaginando: 1,5m de altura de livros sobre Hitler. Era quase sua própria altura! O tamanho da coleção do fã!

Menos cômico imaginar que a ignorância pode ser um estado ou uma escolha. Como poderíamos afirmar que a ditadura no Brasil foi branda? O totalitarismo de qualquer espécie deveria por si so ser desprezível. Ela que tinha liberdade em sua essência e a arte como forma de vida se entristecera ao saber que muitos morreram e morrem porque alguns não compreenderão jamais o valor de uma vida. E tal qual o cheiro da umidade da noite, aquela bruma pesada como seus pensamentos agora, inerte, pairando sem pressa, sem vontade de reagir, ficou, apenas ali, existindo.

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

De toda saudade é preciso desabafar...
Vale cantar, rir e chorar.

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

James Joyce

"Mamãe está colocando minhas roupas novas (de segunda mão) em ordem. E está rogando agora, para que eu possa aprender na minha própria vida, e longe do lar e dos amigos, o que o coração é e o que ele sente. Sê bem vinda ó vida! Eu vou ao encontro, pela milionésima vez, da realidade da experiência, a fim de moldar,na forja da minha alma,a conciência ainda não criada da minha raça." James Joyce


quinta-feira, 8 de outubro de 2009

13 graus

13 graus.
Sexta-feira 13, meia noite e treze, não por acaso, de agosto.
A sutileza, é que fazia 13 graus.
Pela última vez o perfume do maior amor jamais sonhado se fez pairar em seu minúsculo lar...
Ele, entrou como quem arromba o ar.
Ela, abriu e nem sorriu.
Ele, ofegante em sua dor, corajoso partiu.
Ela, corajosa em sua dor, ofegante consentiu.
Sem um toque, sem vacilo, esperança ou adeus.
Apenas silêncio.
Embora ambos soubessem que jamais seriam outra vez os dois...
Jamais sonhos, jamais planos, jamais banhos. Jamais olhares. Jamais cúmplices.
Jamais.
Jamais carinho, nunca mais o ninho, o colo, o modo de amar, o encaixe, o sonhar de olhos abertos, o vagar por um mundo de sensações cremosas, flutuantes, vibrantes e cheia de música.
Nunca mais.
Nunca mais. Tão solene e definitivo. Tão eloquente em seu vazio. Tão indiscutível.
Tamanha a dor e o ruído e o estrondo dentro do peito, que ela não podia ouvir mais nada.
Só um pesado e ensurdecedor silêncio.
Não conseguia chorar e não podia falar. Não havia o que dizer.
Pedir pra que ele não fosse, sabendo que não havia escolha, se enganar, se rasgar?
Permitir as contrações da alma? O avesso do ventre?
Implorar perdão e dizer o quanto temia a solidão?
Sim. Porque agora que conhecera o amor passou a temer a solidão, a única certeza...
Contemplar o espaço vazio, depois que o ar outrora rasgado, parasse, e nada, nada se movesse ali, seria pavoroso.
Ela, previa...
Ele, ocupara muito espaço. Era grande demais.
Preenchia os dias com histórias e as noites com canções. As melhores canções que ela conhecera...
Mas em minutos tudo seria silêncio e escuridão. Densa. Pesada e longa seria a noite.
Mais um suspiro...
Ela, sentia o corpo retesar e o peito contrair em uma dor indescritível. E não era pelo frio.
Boca seca, amarga, dormente... Olhar vítreo, fixo e vazio...
Diante das piores fatalidades parecemos sempre fortes e inertes. Mas é só pra sobreviver...
Mediu pela última vez seu amor, o único, o perfeito, o amor dos seus sonhos, enquanto ele fazia as malas, juntava o que sobrou dessa história, rasgava fotos e vasculhava o passado em busca de algum pertence. Como quem passa a limpo um rascunho...
Ela, só conseguia olhar... Sem forças até pra verter as lágrimas mais profundas... Vindas de uma alma encharcada... Pulsação desconexa... E dor... E aperto no peito... E não conseguia crer no fim... Não assim.
Tanto pra sempre... Tanto amor. E agora só dor.
Ele, esqueceu uma única foto. A mais doce e especial, feita em um momento de paixão e certeza de que o amor seria eterno. Ali, quieta, amarela, esquecida em um canto perto da cabeceira. Ficou. Testemunha abandonada do desamor.
Silêncio.
Todas as lembranças dançaram em seu pensamento. Cada frame, de cada segundo vivido em suspensão nos últimos anos, cada música, cada saudade suprida, cada comemoração, cada declaração, cada olhar, jantar, intimidade, viagem, frase, banho, cumplicidade, despertar, cada abraço, cada riso, cada esperança, cada café da manhã, cada urgência, cada flor...
Tudo!
Tudo percorria agora a lembrança desse amor interrompido, sonho despedaçado...
Não conseguia lutar. Os segundos seguiam com lenta cadencia e gosto de fel. Se calava. E calava em seu seio lágrimas pulsantes que guardaria pra quando ele não estivesse mais ali.
Com ele dançara e conhecera o mundo das festas, da burguesia feliz, da família perfeita... Como voltar agora pro seus mistérios e pro seu mundo cheio de melancolia e cicatrizes?
Voltaria a pisar o chão ou criaria asas pra voar sobre as redes?
No silêncio da noite fria e fatal não pensava no futuro.
Apenas no futuro que não existia mais desde esse instante.
Malas nas mãos, ele mal sabia que carregava com ele um pouco da alma dela. Não podia saber... Mas com ele ia embora o melhor dela.
Levava nas malas também, seu último sopro de ingenuidade, de credulidade, de sonhos de princesa, de amélia e do mais perfeito amor.
Nunca mais uma despedida seria igual.
Nenhum abraço. Nada de desejar felicidade um para o outro.
Ela, não conseguia e ele, não queria.
O tempo congelado e eternizado na mais cortante dor jamais imaginada ou descrita.
O ar suspenso e denso e irrespirável tornava o cenário uma moldura pra um retrato inesquecível de desolação.
Adeus.
Ninguém disse nada pro outro. No entanto o eco seco da porta batendo atrás dela dizia tudo. Denunciava que o pior ainda viria na longa noite que a esperava.
Sozinha.
13 graus.
O torpor do corpo deu lugar a um tremor nervoso.
Chorar não conseguia. Respirar também não.
Olhou em volta.
Sabia que jamais o ar seria preenchido por aquela voz poderosa e aveludada e rouca e alta, por suas risadas histéricas, por suas piadas bobas, por seu jeito carinhoso, por sua música alegre, por seu cheiro singelo, por seu olhar ingênuo, seus beijos únicos, os melhores, os mais profundos, sinceros, longos, macios, sedutores, inebriantes, esperados e doces.
Só ele despertou desejos e sonhos, eternos.
Mas não foram felizes pra sempre...
Agora nada disso existia mais.
Viu-se sozinha.
E soube que um ciclo se fechara para sempre.
Sentou sem forças, frágil e sozinha, no escuro, no chão, e chorou.
Chorou muito.
Chorou alto. Como uma criança, chorou, chorou, soluçou e parou e chorou outra vez, chorou toda a dor do mundo. Velou por toda a noite a morte da esperança.
E chorando ainda, se enrolou e se agasalhou pra enfrentar sozinha e para sempre os 13 graus que congelavam sua alma.
Adormeceu, cansada de chorar. E cansada de viver.
E sonhou que nunca mais acordara de um sonho mal.

terça-feira, 6 de outubro de 2009

Oração


SOU ALEGRE , PERFEITO E FORTE
TENHO FÉ E MUITA SORTE.
SOU FELIZ E INTELIGENTE.
VIVO POSITIVAMENTE.
TENHO PAZ E SOU UM SUCESSO.
TENHO TUDO QUE EU PEÇO.
ACREDITO FIRMEMENTE
NO PODER DA MINHA MENTE.
PORQUE EU SEI QUE TEM UM DEUS LÁ
NO MEU SUBCONSCIENTE.

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Só um dia

Alguns ventos trazem surpresas... Dias de brumas, mais ou menos densas... Semanas de sopros, mais ou menos gélidos... Vagueia entre brisas e rítmos o Espírito do Tempo, Zeitgeist. Rondando almas, descortinando prana.
Da lúdica dança de roda salta o açoite. Do lugar de sonhos de onde venho, desabrochamos apesar da ventania e dos temporais. Aqui o ritual não é tão mágico.
Muito sofrer do muito querer sem razão. Era só o caminho, e agora? trilha árida e solitária? A disputa de egos e vaidade, cega qual tempestade de areia. E onde tinha uma mão amiga apenas o silencio a julgar soberano. É tão fácil ser juíz do alto de uma montanha enquanto o cravo se espreme entre as pedras. É tão fácil se, se tem sombra, se se tem orvalho, se tem luz, se tem ar.
No quase, quase sempre vacilamos e quase, quase que quase... Quase deixamos de ver a paisagem. Quase sufocamos na semente sem cultivo e perdemos o caminho do canteiro. Florescer exige sim, flexibilidade, perfume, cor e gratidão, exige a mão do acaso ou do semeador. Sem gratidão não há mistério não há entrega. Alimentar e crescer e brotar e sugar da vida o ar, respirar e contrair pra então expandir, em um brinde a vida, presentear com sua própria florada!
Obrigada a primavera da arte que me acolhe e me ensina. Obrigada a cada segundo prestes ao caos, aos milagres da tolerância quando tudo perece e depois se ocupa de desnudar a singeleza da estação mais frágil e mágica. E no meio do emaranhado de teias olho pro alto e o céu azul me lava com chuva de molhação e eu renasço mais doce que nunca.