terça-feira, 23 de março de 2010

carta pra não mandar

Estou aqui pensando... pensando... e não consigo saber por onde começar... É sempre difícil falar sobre nós mesmos... E preciso escrever uma carta... Escrever sobre mim.
Decidi escrever essa carta pra pessoa que um dia eu fui... E de quem eu tenho saudade às vezes.
A vida é uma sucessão de acontecimentos que você vai atravessar... Alguns deles vão te transformar profundamente. Esse sorriso e esse brilho no olho um dia vão desaparecer. Seus sonhos mofarão e suas lembranças um dia estarão repletas de poeira e lodo...
Se eu pudesse te aconselhar daqui, do alto dos anos futuros de onde te enxergo, te diria pra... ... ... Te diria nada...
Acho que deveria acreditar em tudo outra vez e ser feliz o quanto puder pelo máximo de tempo que cada sonho durar... Porque fatalmente acordamos de todos os sonhos. Pra cada grande dor e vazio a vida te dá algo em troca... Para os anos, a vida nos dá experiência... Para a dor do parto, um filho e com ele a vida eterna... Pra cada pergunta, uma resposta... Pra cada conquista uma decepção...
Fortaleça-se. Prepare-se. Cuide daqueles que ama mas não se esqueça de você e da sua alma, da sua essência. É só isso que te restará um dia...
Noites escuras e solidão te esperam... Mas sua dignidade e força te mostrarão um caminho belo e poético. E quando tudo parecer decadência, a esperança nunca deixará de brilhar a sua frente... Mire esse norte e tenha sempre muita fé.
Um dia, nos encontraremos. E desse dia em diante seremos uma. Nesse dia, saudade do que foi e do que virá, e espera, preencherão os seus dias. E eu ainda assim, serei feliz, porque sei que um dia fui você e, um dia fui feliz.

domingo, 14 de março de 2010

asas

A aurora chegou esquálida...
Tímida demais para iluminar essa manhã,
que cheia de manha,
arrasta os mistérios dessa noite sanha.
Uiva ao longe o vento enquanto cai torrente
a chuva que lava o ar e visita o mar de concreto rente.
E como vulto na janela, distribui semente,
enquanto aqui suspiro em companhia do meu café quente.
Tantos lagos se formaram na minha alma cansada... Penso.
Lama de lágrimas de amor remoído e cultivado no lodo da solidão.
Gotas silenciosas de chuva que brotam fartas como pranto do amante errante...
Recolho os retalhos largados pelos cantos da lembrança
e brinco de emendar sobras de amor... Sem fé.
Algumas vezes paro e olho a chuva cair triste
e banhar a sargeta quebrada e abandonada como meu coração.
Na rua, passam carros anonimos com seus faróis diurnos
a iluminar a neblina e espirrar água em passantes soturnos...
De tempo em tempo as luzes invadem a sala displicentemente.
Sem força alguma me rendo ao acaso e rezo.
Palavras desconexas de um pagão,
ditas com o desespero fanático de um sermão.
Espero dia a dia um milagre.
Sonho com o fim do entrave,
nas esquinas dessa confusão.
Onde te perdi e me rendi com fim dessa paixão.
Me recolho, confuso, silencioso e em vão ao meu lamento.
E na arte me atrevo. Me lapido. Me entre tenho...
Recito versos de algum recanto
lavrados e aprendidos por mim
quase que por encanto...
Faço música ruim.
E me abandono em rítmos maiores
de músicos melhores.
Barulho pra calar meu silêncio que grita dentro do peito exausto.
Sento e busco lágrimas de alívio que não vem.
Com uma ironia invejável de quem sabe a deixa exata,
o vento silva ameaçador e indiscreto pela fresta da janela me tirando a calma,
sem bajular quem mesmo cansado, dilacerado ama com alma.
Agora eu sei que a espera envelhece e murcha o corpo,
mas antes e tanto, congela, provoca, alicia.
Asfixia a arte e me parte...
Tal qual o artista da lida eu respiro o cheiro do orvalho suave...
Possuo o peso de uma folha leve...
O tamanho de um pedaço inteiro...
Guardo na retina da lembrança a beleza distante da paisagem...
Sou o avesso do verso.
No peito esgarçado e remendado do poeta,
uma sutil e íntima vibração penetra,
por entre uma rachadura e outra,
sutis frestas de luz...
De onde surgem imagens
que sugerem miragens...
Onde o amor vem me visitar.
E me deixa um candeeiro aceso...
E uma vela no altar.
Suficiente pra sobreviver a mais uma mutação...
E quem sabe a mais um longo inverno de 7 ou 8 meses...
Sozinho, entre arrepios de frio e calor, em minha ignorância
vislumbro uma pequena fonte de aconchego brotando singela
da fumaça do café, quente e perfumado como o da infância.
Debruço em soluços tristes nas memórias póstumas onde jazz a esperança.
Tenho saudade...
Do tempo que eu era a sua lua,
que me tirava pra dançar e me levava pra passear na rua.
Deitávamos no banco da praça e ríamos só de pirraça...
Sem segredos expostos, ou cicatrizes calejadas ao revés.
Me ponho nua aos seus pés...
E essa dor alucinante, dilacerante e aguda
me atravessa a alma e o corpo cansado,
como o trovão pavoroso que corta o céu nesse instante...
Se aproxima o parto.
Me dobra, arde, e queima meu dorso...
Eu te enlaço o pescoço. Me vejo em seus olhos.
O coração sangra e a visão turva
de um vermelho sangue, de vermelho vinho, de vermelho ardente...
Abre um rasgo no peito e sopra um vento gélido nas veias.
Frio... na espinha...
Eu sinto que não vou sobreviver... Mas vou.
Qual um animal anseio o suspiro final...
Não mais suporto o punhal.
Guardo no peito o gemido letal.
Sobrevivo aos restos...
E percebo asas...
Que me atormentam e me aprisionam.
Sangue pisado, dor.
Fragmentos de amor.
Pra que asas se não posso voar?
É assim que sinto cada segundo da sua ausência...
É como a medida da saudade que me devora e faz o coração assistir calado,
enquanto de cara lavada e sem rodeio, a verdade é sugada do espelho,
que grita a queima a roupa, urgente, que o tempo é agora.
Corta a voz na garganta...
como se mastigasse vidro e,
cuspisse os espinhos da sua falta,
me arranca estilhaços de alma pela boca.
Ah... Me tire as asas, me tire o ar, me tire a vida até...
Mas não me deixe acreditar que a vida pode ser apenas uma manhã fria e escura com faróis sorrateiros a me visitar de tempo em tempo atráves da janela molhada.
Quero mais que retrato.
Quero tato.
Mas se for palavra quero dizer.
Se for lágrima deixo escorrer.
Se tem vida quero viver.
Por você.
Por amor.
Por amar você.